Torço por uma recuperação plena do Sr. Rodrigues. Quando eu era criança, quase perdi os dedos da mão direita num acidente. Não foi na serra circular, mas na correia/polia do ventilador do radiador do carro do meu pai. A primeira falange do dedo indicador quase foi decepada completamente. Ficou presa apenas por 1/3 do tecido. O médico até pensou em cortar a ponta fora! Os tempos eram outros... Somente pela insistência de meu pai, o médico deu uma chance para a esperança e uniu a parte cortada ao resto do dedo. Felizmente o dedo se recuperou quase completamente. Ficou apenas uma pequena distorção, quase imperceptível.
Creio que entendi completamente o que aconteceu ao Sr. Rodrigues, ao qual não vou fazer nenhuma crítica, é claro, mas acho que é importante analisar as causas do acidente para que as pessoas que estejam lendo este post não cometam o mesmo erro.
Quando sofreu o acidente, o Sr. Rodrigues estava tentando fazer uma espécie de "dado" improvisado. "Dado" é basicamente um canal (em geral transversal) numa peça de madeira. Nos EUA, há lâminas específicas para "dado" que podem ser montadas numa serra circular de mesa, mas na Europa esse tipo de acessório é proibido, justamente por envolver questões de segurança. Na verdade, o perigo de fazer um "dado" é zero se for adotado um procedimento seguro.
Para analisar o acidente ocorrido, é preciso entender como um disco de serra funciona. A foto abaixo mostra as três regiões, A, B e C, mais importantes de um disco de serra. Note que o disco gira no sentido anti-horário, a frente da mesa está à esquerda, e a traseira da mesa, à direita. O operador está à esquerda e a madeira é empurrada contra a lâmina, da esquerda para a direita.
riving-knife-2.jpg
No uso normal, a altura da serra é ajustada para pouco mais da espessura da madeira. Nessa situação, apenas os dentes da região A trabalham. Os dentes dessa região cortam ao mesmo tempo em que empurram a madeira para baixo, contra a mesa. Os dentes da região A também empurram a madeira contra o operador, mas essa força é pequena se a lâmina estiver bem afiada.
No uso normal, os dentes da região B e C não devem trabalhar sob risco de ocorrer kickback. A função do riving knife é justamente impedir que as laterais do rasgo sejam capturadas pelos dentes da região C, que estão em movimento ascendente. Se a peça subir e for capturada pelos dentes da região B, a chance de kickback é significativa.
Quando se usa a serra para fazer rasgos, dados, tenons, etc. a altura da serra deve ser ajustada para menos que a espessura da madeira. Neste caso, tanto os dentes da região A como da região B trabalham. O risco de kickback aumenta muito, especialmente para cortes profundos.
Quando se abre rasgos com uma serra circular, um operador desavisado pode achar que não há perigo em pressionar a peça de cima para baixo com a mão. Afinal, ele pensa, a mão estará protegida pela peça, já que a lâmina não tem altura suficiente para chegar ao topo da peça... Mas, e se ocorrer um kickback inesperado? Se no momento do kickback, a mão do operador estiver numa posição avançada, empurrando a peça para baixo ou para os lados, a mão irá fatalmente de encontro à lâmina! Penso que foi justamente isso que aconteceu no acidente com o Sr. Rodrigues.
Para abrir rasgos sem correr riscos deve-se sempre usar um "empurra-pau" apropriado. Para abrir rasgos no sentido longitudinal em peças estreitas é interessante que a largura do empurra-pau seja ligeiramente menor que a da peça, e tenha batentes tanto na traseira e na lateral esquerda. Assim, o batente da esquerda poderá ser usado para empurrar a peça contra o guia longitudinal.
As fotos abaixo podem servir de inspiração para quem quiser construir empurra-paus apropriados para abrir rasgos, ainda que os empurra-paus mostrados não se encaixem exatamente na descrição acima:
empurra-pau-1.jpg
empurra-pau-2.jpg
Um empurra-pau não serve apenas para "empurrar" a peça de madeira. Um empurra-pau bem projetado deve permitir que se façam três coisas simultaneamente, sem expor a mão do operar ao risco de contacto com a lâmina:
1) avançar a madeira
2) pressionar a madeira contra a mesa
3) pressionar a madeira contra o guia longitudinal.
Um empurra-pau não precisa ser uma obra de arte. A mão humana e os dedos em particular são muito valiosos para perder num acidente. Sempre é possível construir um empurra-pau adequado para cada caso. Melhor perder alguns minutos, ou mesmo horas, construindo um empurra-pau do que perder um dedo num acidente.
A defesa contra o perigo não é o medo, é o conhecimento. Se você entender como uma serra circular funciona, não irá "dar sopa para o azar" e a chance de sofrer um acidente será praticamente nula.